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26 agosto 2016

[NICARÁGUA] «Vulcão Momotombo» e o selo que mudou a História

Em alemão: NICARAGUA. Em 15 de Agosto de 2014, completou-se o centenário da travessia do primeiro navio no Canal do Panamá.

Tanto dentro do passatempo filatélico quanto fora dele, um conjunto de selos da Nicarágua emitido em 1900 tem recebido os créditos por terem influenciado o Congresso dos Estados Unidos para escolher o Panamá, e não a Nicarágua, como rota do Canal. O poder que os selos exerceram na formação da opinião do congresso é discutível, mas é claro que a exibição postal da Nicarágua de uma de suas maravilhas naturais foi um tiro que saiu pela culatra.

O Monte Momotombo é um estratovulcão imponente (1.297m de altura), próximo à cidade de Leon, no noroeste da Nicarágua. Um vulcão cônico é construído por camadas e mais camadas de lava endurecida, cinzas e outros detritos a partir de várias erupções, e o Momotombo teve muitas. Sua primeira erupção registrada foi em 1524, com pelo menos 18 outras desde então.

 

 

Apesar desse comportamento anti-social, Momotombo é um dos famosos e mais queridos símbolos da Nicarágua. Assim, este país o fez representar em um conjunto com 13 selos, emitidos em 1 de Janeiro de 1900, com valores entre 1 centavo e 5 pesos, cada um com uma cor diferente. (MiNr #120 a 132). Os selos foram gravados e impressos pelo American Bank Note Co. de Nova Iorque. O nome da empresa aparece no rodapé de cada selo, mas o nome «Momotombo» não aparece.

No entanto, para deixar bem claro que esta montanha é um vulcão, o artista fez questão de reproduzir fumaça, e possivelmente lava vomitando do cone. Esta descrição não era inteiramente por inspiração artística, já que o Momotombo irrompeu pelo menos uma dúzia de vezes no século XIX, mais recentemente em 1886-1887.

 

 

A Nicarágua gostava muito do selo. O mesmo projeto foi usado para criar novos valores sobrecarregados emitidos em 5 de Março de 1901 (MiNr. #133 a 135 e 144 a 148) e em 20 de Outubro de 1901 (MiNr. #149 a 151). Três valores litografados sem a legenda American Bank Note Co. foram emitidos em 1902 (MiNr. #152 a 154) e mais dois selos sobrecarregados com novos valores foram emitidos em outubro de 1902 (MiNr. #156 e 157). Ainda, mais algumas emissões com sobrecarga foram emitidas de 1903 a 1905 (MiNr. #166 a 173, 187 a 194). Foram ainda utilizados para o Correio Oficial (Dienstmarken) em 1903 (MiNr. #126 a 130). O projeto foi ainda utilizado novamente em 1904-1905 para selos locais de Zelaya (Bluefields), na costa leste da Nicarágua. Também, foram utilizados com sobrecargas para os Telégrafos.

É difícil descrever brevemente a longa e complexa história de esforços para criar uma passagem de água através do istmo do Panamá, na América Central, para ligar os Oceanos Atlântico e Pacífico. O que se segue é uma versão extremamente abreviada: No final do século XIX, a tecnologia tornou possível, embora caro e complicado, construir um canal através das profundidades e alturas do terreno, e os franceses (na esteira de seu sucesso com o Canal de Suez, no Egito, em 1869) criaram um projeto em 1881. A Compagnie Nouvelle du Canal de Panama obteve uma concessão para o projeto da Colômbia (já que nesta época, o Panamá ainda era uma província colombiana), mas acabou falindo em meio a um grande escândalo em 1889.

 

Emissão de 1901 sobrecarregada com novos valores
(MiNr. #144a com e sem barra após valor, e 144b com sobrecarga azul)

 

Theodore Roosevelt tornou-se Presidente dos Estados Unidos em 1901 e queria um canal controlado pelos EUA na América Central. Uma comissão norte-americana em 1898 havia favorecido uma rota pela Nicarágua, mas Roosevelt estava favorecido a assumir a concessão colombiana, ainda de propriedade francesa, liderada por Philippe-Jean-Bunau-Varilla.

Em 2 de Maio de 1900, a Câmara dos Representantes aprovou por votação esmagadora (225-35) um projeto patrocinado por William Peters Hepburn, de Iowa, que autoriza a construção de uma rota na Nicarágua, mas foi parado no Senado. Poucos dias mais tarde, o jornal «New York Herald» declarou que o sentimento nacional dos Estados Unidos estava unanimemente à favor da Nicarágua. O senador John Spooner Coit, de Wisconsin, introduziu um projeto do senado para a construção de um canal, e o debate estava aberto em Junho de 1902.

O senador Mark Hanna, de Ohio, falou longamente contra uma rota via Nicarágua, utilizando um display de grandes mapas da América Central com pontos pretos para vulcões extintos e pontos vermelhos para vulcões ativos. Nicarágua tinha uma miríade de pontos de ambas as cores, enquanto o Panamá não tinha nenhum. (Um senador teria dito depois que ele havia sido convertido para a idéia de um “canal Hannama”).

Entre os debates da Câmara dos Representantes (1900) e o do Senado (1902), em 8 de Maio de 1902, o vulcão Monte Pelée, na Martinica, no Caribe, entrou em erupção, acabando com St. Pierre em questão de minutos e matando mais de 30.000 pessoas. É seguro dizer que nem um único legislador em Washington DC não tinha conhecimento deste ato desastroso da natureza, e a palavra “vulcão” na primavera de 1902 teria conotações terríveis.

Enquanto isso, em 24 de Março, o Momotombo (que estava a mais de 100 milhas de distância da rota proposta para o canal) entrou em erupção, embora a notícia levasse um longo tempo para chegar a Washington. Quando chegou, o presidente da Nicarágua, de forma imprudente, declarou por telegrama que a atividade vulcânica foi falsa, e que era um truque francês para enganar os americanos. Este era o teor do telegrama: «Noticias sobre recientes erupciones de volcanes en Nicaragua enteramente falsas». Além disso, o senador John T. Morgan afirmou categoricamente a seus colegas: “Não existe nenhum vulcão ativo na Nicarágua”.

Por conta da negação da Nicarágua, Bunau-Varilla (cuja única chance se solvência futura era tentar trazer a rota do canal para o Panamá) foi fazer lobby de legislador em legislador e teve uma brilhante idéia (possivelmente com a ajuda de William Nelson Cromwell, um advogado de Nova Iorque, que havia sido contratado para ajudar no lobby): Lembrou-se que havia visto em uma carta um selo da Nicarágua no qual se via um vulcão: Um formoso vulcão vomitando fogo em uma magnífica erupção, e resolveu tentar deixar a Nicarágua condenar-se com seus próprios selos postais.

 

Cartão Postal com selo Momotombo pré-impresso

 

De acordo com suas próprias memórias, Bunau-Varilla rapidamente fez um tour pelas Casas Filatélicas de Washington e de Nova Iorque, e comprou cada selo Momotombo do conjunto de 1900 que ele conseguiu encontrar. Ele os colocou cada um em uma folha individual de papel e acrescentou uma legenda datilografada: «Uma testemunha oficial da atividade vulcânica no Istmo da Nicarágua». O texto seguiu dizendo que o cais e a locomotiva representados em primeiro plano no selo «foram lançados para dentro do Lago Manágua com uma grande quantidade de sacas de café, em 24 de Março de 1902, às 1h55 pm».

Estes circulares estampados foram enviados a cada um dos membros do Senado em 16 de Junho e uma versão similar chegou a cada um dos membros da Câmara em 24 de Junho.

O Senado aprovou a Lei Spooner em 19 de Junho de 1902, por uma maioria estreita. A Câmara também aprovou, e Roosevelt assinou a lei em 29 de Junho, autorizando a compra dos ativos do sindicato francês por US$ 40 milhões (com grandes descontos a partir do preço de venda original de US$ 110 milhões).

Será que os selos ganharam o dia para a questão do canal do Panamá? Em 1961, um livro entitulado «John Coit Spooner: Defender of Presidents» da professora de História Dorothy Ganfield Fowler, do Hunter College, disse: «O lobby do selo postal pelos lobistas da rota do canal do Panamá poderia ter tido algum efeito, mas a passagem da Emenda Spooner foi mais provavelmente o motivo, devido à enorme pressão da administração».

Uma das páginas de selos de Bunau-Varilla estava entre os papéis do senador Spooner na Biblioteca do Congresso, e o filatelista nicaraguense Neal West localizou outros exemplos em papéis de Bunau-Varilla no mesmo repositório. West ilustrou a circular e cuidadosamente descreveu sua pesquisa em três artigos úteis (abril de 1991, abril de 1993 e outubro de 1993) em Nicarao, revista de um grupo de estudos da Nicarágua. Uma das circulares foi também ilustrada na edição de 1 de junho de 1992.

Em entrevistas e escritos publicados anos após o fato, Bunau-Varilla deu crédito quase completo para as circulares com selos Momotombo, talvez porque ele estava muito orgulhoso de sua ingenuidade. Observadores mais desapaixonados dão crédito ao senador Mark Hanna com sua apresentação com mapas de vulcões da Nicarágua, enquanto a memória do Monte Pelée ainda estava fresca. Além disso, o menor preço da rota via Panamá, e acima de tudo, os sentimentos do Presidente Roosevelt sobre o assunto, como ele próprio disse em 1911: «O Canal do Panamá não teria sido iniciado se eu não tivesse tomado conta dele. Eu fui ao Istmo, iniciei o canal e incitei o congresso não a debater sobre o canal, mas sobre mim».

Em 16 de Janeiro de 1905, o Momotombo entrou novamente em erupção, após uma série de tremores de terra na vizinhança. No nosso tempo, “enxames sísmicos” de centenas de pequenos terremotos diários tem ocorrido na área próxima ao vulcão desde o outono de 2013.

Os selos Momotombo de 1900 podem ter desempenhado um papel relativamente menor no Canal do Panamá, mas ainda assim figuram em um conto clássico em nosso hobby. Mas, talvez seja desnecessário dizer que a emissão «Momotombo» saiu de circulação tão logo se iniciou a construção do canal no Panamá.

Enquanto isso, a Nicarágua planeja atualmente começar a construção do Grande Canal Interoceânico, em uma empreitada que deve durar seis anos, com a ajuda dos Chineses. Ele vai ligar o Mar do Caribe com o Oceano Pacífico. Nenhum vulcão é mencionado na publicidade entusiasmada do empreendimento…

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