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23 fevereiro 2019

Duas Bizarrices da Filatelia Brasileira atual

Crio esta postagem pra deixar meus comentários a respeito de duas coisas bizarras na filatelia brasileira atual.

A PRIMEIRA, esse tal «Album Marek».

Conheci recentemente esse álbum Marek num encontro e fiquei chocado. De quem foi essa idéia cretina de se fazer folhas de álbum contendo espaços pra selos destacados dos blocos, quadras em diferentes posições, e se-tenants destacados? Não consigo crer que existam juntadores de selo (me recuso a chamar de filatelistas) que destacam se-tenants, rasgam blocos e picotam folhas que contém selos diferentes apenas pra preencher o espaço desse álbum. Tem que ser muito desinformado, um grande bobalhão, pra cometer tal atrocidade! Ninguém percebe o quanto isso é ridículo? BIZARRO.




Se-tenants, folhas com selos diferentes e selos destacados de blocos, assim como quadras em posições diferentes do projeto original (como apresentado nos Editais de Lançamento) não tem o mesmo valor de catálogo da peça inteira e completa e na posição correta, o valor é muitíssimo inferior. Tal premissa é válida em toda a filatelia MUNDIAL. Basta consultar os catálogos! Não acredita? Tenta vender seus se-tenant picotados ou quadras de diferentes posições no comércio filatélico. Ninguém os quer, muito menos pelo preço da peça inteira ou normal. Essa idéia imbecil provavelmente veio de algum grande comerciante que tem grande estoque e quer ver os próprios colecionadores comprando 2 ou mais peças e destruindo-as, pra fazer as restantes se valorizarem.

Pra piorar, vi hoje um comerciante anunciando em um “Informativo” que no suplemento 2018 desse álbum, o editor utilizou imagens de divulgação da ECT, no qual os blocos não aparecem com seu “apêndice” com o código de barras. Então o comerciante sugere que se RETIRE o código de barras dos blocos, para que caibam nas folhas do álbum! Ou seja, arruinar a peça em favor da folha do álbum! Inacreditável! Achei essa idéia muito esquisita, pra dizer o mínimo. Gostemos ou não do código de barras, (eu acho horrível) o mesmo faz parte da peça, foi assim oficialmente emitido, e destacá-lo é estragar a peça. A folha do álbum que se dane, o importante são os selos e de preferência tal como emitidos pelo correio.


A SEGUNDA, comprar cada estampa que surge dos tais selos personalizados.

É claro que você pode colecionar todas as milhares de diferentes estampas comerciais e particulares dos selos personalizáveis com imagens diferentes que surgirem, seja o mesmo emitido por particulares, (como eu ou você, que pode encomendar nos correios selos com sua foto ou seu logotipo), seja o mesmo emitido pelo próprio correio por contrato com alguma empresa qualquer e vendido livremente nas agências. O Catálogo RHM até os lista e enumera, pra quem acha isso bonito.

Agora, convenhamos que isso é uma gigantesca bobagem. Na filatelia mundial, onde esses personalizáveis já viraram igualmente uma praga, o que importa é o design-base, ou seja, o “modelo”. O desenho personalizável, onde qualquer um pode colocar o que quiser, não tem importância alguma. Pode ser o que for, a cotação será a mesma.




Não acredita? Consulte os catálogos mundiais, tais como Scott, Yvert et Tellier, Michel, etc. Nos mesmos só constam os “modelos”, e não cada personalizado que o correio emite por contrato publicitário com algum artista ou empresa, ou que algum particular manda confeccionar.

Novamente, o que importa é o MODELO, A BASE IMUTÁVEL comum a todos eles, para a classificação, ou seja, são as diferenças no logotipo do correio (antigo e novo), gomados ou autoadesivos, as diferenças de formato, etc. Aquilo que é OFICIALMENTE criado e tal qual está no Edital. 

Ficar adquirindo 10, ou 20 personalizados de mesmo modelo, mas diferentes estampas particulares, com propagandas comerciais, quando a intenção é ter apenas um ano completo das emissões, e não a coleção específica dessas coisas, é ter, aos olhos da filatelia mundial, selos idênticos, e alguns de péssimo gosto como selo do Luan Santana, selo de Loja Maçônica… Tenha dó!

Eu também guardo os que caem nas minhas mãos, vindos de alguma troca ou correspondência recebida, mas em um classificador à parte somente pra eles, nunca junto aos anos completos ou à coleção principal, exceto quando de seu lançamento, e aí a estampa particular pode ser qualquer uma. Ficar comprando cada estampa diferente e PARTICULAR que surge, é jogar dinheiro fora, que poderia estar sendo investido em boas peças clássicas e com real valor histórico e cultural.

Mas, claro, estas são apenas as minhas opiniões particulares, e cada um cuida da sua coleção e do seu investimento como achar melhor…


03 fevereiro 2019

Haiti: Um Escândalo Filatélico


No Catálogo MICHEL do Haiti, nas páginas dos selos emitidos em 1973, encontramos a seguinte nota:

Die vormals katalogisierten Sätze "Weltraumforschung", "U.P.U.", und "Audubon-Gemälde" waren ohne Zustimmung der Postverwaltung von Haiti produziert worden. Da es sich demnach nicht um frankaturgültige Marken handelt, wurden sie aus der Katalogisierung herausgenommen.

A qual podemos traduzir como:

As séries catalogadas anteriormente "Exploração Espacial", "U.P.U." e "Pinturas de Audubon " foram produzidas sem a permissão dos Correios do Haiti. Como esses selos não são válidos para postagem, eles foram removidos do catálogo.

Recentemente adquiri um conjunto com 23 selos da série “Pinturas de Audubon”. São selos muito bonitos, variando em denominação entre 5 centavos e 10 Gourdes.






Não consegui ainda acrescentar à minha coleção os exemplares da série “U.P.U.”, e somente consegui até hoje um único exemplar da série “Exploração Espacial”.






Mas a história por trás desses selos é surpreendente: Os mesmos foram rapidamente retirados de circulação, devido a um grande escândalo envolvendo a Família Duvalier (que controlava o Haiti na época), e um ou dois Ministros do governo. Segue-se também um julgamento sensacional. À época, apareceu também, no jornal «The New York Times» um cartoon representando Simone Duvalier (esposa do ditador haitiano François "Papa Doc" Duvalier) levantando-se para protestar contra sua inocência, mas com um grande número de selos caindo de baixo (!) de seu vestido.

O que aconteceu exatamente, e o que fizeram de errado? Provavelmente a ganância esteve no centro do caso, mas alguém realmente conseguiu ganhar dinheiro com isso?

O Haiti dos Duvaliers era repleto de prisões e prisioneiros, crueldade, tortura, execuções sumárias e mortes violentas. Havia um grande desprezo pelos direitos humanos, a covardia conquistara a moralidade e a decência. Era também um centro de ganância, corrupção e perversão de valores, uma minoria de ricos que dominavam o governo e os indivíduos da população, minando-os de toda direção e valor moral.

O escândalo do selo “Pinturas de Audubon” de 1975, ilustra bem a que ponto os líderes do Haiti iriam em sua busca frenética por dinheiro fácil. O escândalo foi um crime quase perfeito, e as mais inesperadas artimanhas foram reveladas.

Os arquitetos do escândalo do selo foram a irmã de Jean-Claude Duvalier (a.k.a. “baby doc”, ditador do Haiti de 1971 a 1976), Nicole Duvalier, o seu embaixador na Espanha, general Claude Raymon, o ex-chefe de gabinete, Franck Sterling, o chefe da Receita Federal, Gabriel Brunet, o chefe de segurança do aeroporto de Porto Príncipe, e Eugene “Sonson” Maximilien, cônsul do Haiti em Miami. O próprio Jean-Claude foi excluído das acusações de fraude, e de fato sua irmã Nicole avisou aos demais que eles seriam homens mortos, caso algum deles revelasse seu papel no caso.

O esquema era simples: Selos haitianos falsos, com excelentes desenhos de aquarelas de aves do naturalista franco-americano Jean-Jacques Audubon, foram impressos na Russia e inseridos fraudulentamente nos mercados mundiais de filatelia.

No entanto, as sociedades filatélicas exigem autenticação de todos os selos que promovem. Os criminosos resolveram esse obstáculo subornando o diretor da Imprensa Estatal para imprimir uma única edição do Diário Oficial do Governo do Haiti, chamado “Moniteur”, anunciando os selos Audubon e validando-os com a assinatura forjada do funcionário apropriado (Vice-Ministro) do Ministério do Comércio do Haiti.

A Sociedade Filatélica da Suiça – uma das mais sérias do mundo – estava satisfeita com o «Moniteur» aparentemente genuíno, endossou o lançamento da série Audubon, e começou a anunciá-lo aos colecionadores de todo o mundo. Os criminosos subornaram funcionários dos correios haitianos para autenticar os selos com carimbos de primeiro dia de emissão. Depois entregaram as folhas de selos a um empresário de Miami Springs para vendê-los, e começaram a arrecadar pequenas fortunas. A parte de Nicole Duvalier, US$ 4 milhões, foi a maior.

Porém, um ávido colecionador de selos haitianos, que era também advogado do Ministério do Comércio (responsável por aprovar todas as emissões de selos) recebeu um anúncio dos selos Audubon. Perplexo e desconfiado, ele notificou a Sociedade Filatélica Suiça, que lhe enviou uma cópia do falso «Moniteur». O funcionário cuja assinatura fora forjada negou qualquer conhecimento do «Moniteur» e dos selos, e logo surgiu um escândalo nacional e depois internacional.

Oito pessoas foram presas em 8 de Março de 1975 e acusadas de envolvimento na assinatura falsificada do Vice-Ministro do Comércio e da Indústria, Henri Bayard, em um documento autorizando a empresa J. & H. Stolow Inc., de Nova  York, a divulgar a maravilhosa série de selos Audubon. No mesmo dia, o chefe de Bayard, o Ministro do Comércio e Indústria, Serge Fourcand, foi demitido e colocado sob prisão domiciliar.

O jornal «Le Matin», de 9 de Abril (antes do julgamento) informou que os cúmplices haitianos receberam em torno de US$ 23 milhões em lucros dos selos, sendo isso apenas 20% do total da venda.

O julgamento dos 13 acusados, entre eles Fourcand, Frantz Leroy e Eugene Maximilien (este, à revelia), se iniciou em 26 de Agosto, e terminou em 11 de Setembro, e foi televisionado ao vivo no Haiti, sendo a primeira exibição pública de corrupção sob o governo dos Duvaliers.

Os conselheiros de Jean-Claude Duvalier convenceram-no de que um julgamento público era essencial para acalmar a desaprovação internacional, e assim, no primeiro julgamento televisivo ao vivo no Haiti, uma falange de autoridades duvalieristas confessaram sua culpa, acusaram seus companheiros, e foram condenados à prisão.

O veredito do julgamento foi entregue em 19 de Setembro: Fourcand, Pierre-Richard Maximilien e Fritz Denis foram “libertados por falta de provas”. Leroy foi condenado a 7 anos de trabalhos forçados por falsificação, e sua esposa Marlene, a 2 anos. O irmão de Leroy, Guy e René Exume,  foram apenados em 3 anos de trabalhos forçados por cumplicidade. Todos os quatro foram multados em US$ 14.000 cada um, e posteriormente em mais US$ 30.000. Outros cinco acusados foram absolvidos. A sentença sobre o ausente Eugene Maximilien foi anunciada mais tarde, em 5 de Novembro: 15 anos de trabalhos forçados, uma grande multa e apreensão de sua propriedade.

Os colecionadores internacionais ficaram satisfeitos, pois a justiça foi feita, e a publicidade resultante do julgamento deu valor adicional aos selos. Os principais atores do esquema escaparam ilesos, e o nome de Nicole Duvalier nunca foi mencionado.  

Fourcand fugiu para o exílio nos EUA com sua mãe em Maio de 1976. Quanto aos demais, alguns oficiais considerados culpados eram na verdade inocentes, mas o ditador Jean-Claude Duvalier os recompensou generosamente por sua concordância em assumirem a culpa e serem bodes expiatórios. Eles foram logo libertados de suas confortáveis celas e receberam muito dinheiro, empregos e carros.

O escândalo do selo Audubon prova mais uma vez que no Haiti, a ganância e a corrupção são recompensados.

Quanto aos selos em si: O “arrêté” original (Diário Oficial do Haiti, «Moniteur») indicava que a série consistia em 15 selos diferentes, além de um Bloco. Nos anos seguintes, o número de selos na série aumentou, de 15 para 23, 32, depois para 63 e finalmente, para 75.

O falso «Moniteur» foi usado também pela Liga Internacional de Colecionadores Postais (IPCL), uma divisão do «Calhoun’s Collectors Society» de Minneapolis, EUA, para documentar a “legitimidade” da emissão. Essa “sociedade” era na verdade um comerciante de selos de folha de ouro, via mala direta, e que faliu em 1984.

Em várias oportunidades, durante o curso de 1976, selos novos da série Audubon, bem como envelopes de 1º dia regulares e até mesmo registrados, foram oferecidos a venda, presumivelmente de boa fé, pela J & H Stolow Inc. O preço estimado de um conjunto de envelopes de 1º dia foi de US$ 45. Um conjunto de 3 envelopes sem carimbo de 1º dia, com 23 valores diferentes, estimados em US$ 15, foi comprado à época por correspondência da empresa por US$ 3,50. O catálogo de Stolow oferecia esses mesmos selos por US$ 6.

As investigações realizadas pelo inspetor postal J.T. Murphy, de Nova York, bem como pelo «Stamp News», editado por Linns, em 1975, não encontraram evidências de irregularidades por parte da firma Stolow contra o governo do Haiti. A firma J & H Stolow atuou como agente responsável por organizar a impressão dessa série Audubon, bem como aproximadamente 65 outras séries comemorativas do Haiti entre 1958 e 1963.

É mais do que coincidência que o primeiro contrato da Stolow coincidiu com a inauguração da era moderna na filatelia haitiana, com selos CTO (Cancelled-to-Order), ou cancelados sob encomenda. Embora essa política possa ter fornecido selos baratos e atraentes para o jovem colecionador, prejudicou muito a reputação filatélica do Haiti. A política do CTO tornou muito mais fácil para um distribuidor encurralar o mercado de um determinado valor, permitindo que fossem comprados selos com valor inferior ao valor de face. Não querendo se sentir explorados, muitos colecionadores deixaram de coletar emissões modernas do Haiti nesse momento. Além disso, muitos outros terminaram suas novas assinaturas de emissão, não querendo enriquecer um ditador implacável e um comerciante inescrupuloso.

Em defesa dessa emissão, deve-se observar que a mesma é bastante atraente, embora um pouco longa demais. A série é composta por 75 selos, com 15 designs diferentes. Por uma perspectiva histórica, esses 45 selos ordinários e 30 para o correio aéreo são uma série interessante, por conta do escândalo que resultou. Apesar de uma suposta impressão de 1 milhão de selos de cada valor, o conjunto completo não estava prontamente disponível.

Apesar de uma referência no «Stamp News» de Linns (2 de Setembro de 1981), de que a série foi “produzida no Haiti”, o autor é de opinião de que os selos foram impressos no exterior, pois à época as instalações de impressão do Haiti não eram capazes da qualidade de produção que os selos exibem. Os selos, multicoloridos, foram impressos por Fotogravura, e depois descobriu-se que foram impressos na Russia.